Nem sempre o uso da teoria sobre o princípio da função social da propriedade contribui, de fato, para as decisões judiciais nas quais este princípio é mencionado.
Muitas vezes, o termo "função social" é só uma afirmação óbvia ou um argumento genérico para justificar o melhor uso da propriedade, como se houvesse no ordenamento jurídico brasileiro uma permissão para que o Poder Judiciário entregasse o bem para quem, presumivelmente, lhe desse uma melhor utilidade ou um uso mais eficiente.
Um dos exemplos desse uso sem critério, que fere a técnica jurídica é a decisão abaixo, proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
A decisão acima é formalmente correta, pois se uma pessoa tem a posse de um bem móvel por mais de 5 anos e se, como ocorreu no caso narrado no acórdão, o contrato de leasing que fundamentou inicialmente a posse desta pessoa já foi descaracterizado, deve ser aplicado o Código Civil no que diz respeito à usucapião (Art. 1261).
Contudo, a menção à função social é inócua, pois nenhum dos envolvidos deixou de exerce-la e, por isso, nenhum deles descumpriu tal princípio. O exercício da função social pelo comprador do carro é evidente. Ele usa a propriedade do carro para suas finalidades econômico-sociais e cuida de sua manutenção. Mas a função social para o banco, mesmo sem o uso, também é clara.
Como não houve uma medida judicial que enviasse o bem para um pátio cheio de carros apreendidos, no qual ele se tornaria inútil para os envolvidos, a propriedade do banco ainda excerce a função para a qual foi originalmente constituída no contrato de financiamento.
Num negócio jurídico de venda de automóvel com financiamento, a propriedade do banco - propriedade fiduciária, na terminologia cível - serve apenas para garantia. Não havia expectativa de que o banco usasse o carro ou que tivesse interesse no bem após encerrado o contrato. Mesmo após anos de não uso, prevalecesse o interesse do banco manter sua propriedade para forçar o pagamento da dívida que deve, em tese, existir. Ou seja, o banco exerce sua propriedade ao impedir o registro do veículo em nome do comprador antes da quitação do contrato.
Nessa decisão, portanto, me parece que há um uso errôneo e dispensável da teoria e do princípio da função social da propriedade, até porque, simplesmente usar as regras sobre usucapião bastaria no caso concreto. No próximo post tratarei de um bom uso da teoria da função social da propriedade, afinal o fato de ser utilizada como uma espécie de discurso genérico não retira deste princípio sua importância e e força.
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